Memorial Bárbara de Alencar do Poeta de Meia-Tigela



Leia um artigo sobre o a obra por Ary Salgueiro

"Memorial Bárbara de Alencar & outros poemas", do Poeta de Meia-Tigela, é pra se ler por inteiro e na ordem. Acho que meu maior erro foi ter lido pela primeira vez do jeito errado, como se fosse possível ler o romance pelo capítulo do meio. Agora foi que percebi com mais firmeza a forma desse cordel solar, de amarelo que mistura a cor da terra com a cor da gente da terra. Só assim para perceber rima e o estilo desafiando o leitor progressivamente a imaginar os limites da fôrma, ultrapassáveis. A luta em cada espaço do poema, poemas que falam dos heróis e de batalhas, de mitos e dos lugares onde nascem as bocas que alimentam esses mitos. São poemas-praça, onde se fazem forrós e comícios, onde a vida dá tapa na cara, mas também recebe.
Cada estória convida a imitar aqueles que agiram, formando acrósticos com seus nomes. E cada nome é como um mantra, que quer fazer o meditante obter a consciência de alguma coisa que se perdeu porque pensamos demais ou de menos. O Memorial, peça principal do livro, conta a história de uma Bárbara de Alencar valente e desafiadora, cuja revolta do clã (dos liberais Alencares contra o Império) é tão sua quanto de qualquer dos parentes do sexo masculino. A coragem de enfrentar até o fim a vida sem dignidade do cativeiro e depois a grave desilusão com a amizade daqueles que agora não a tratavam mais como iguais fazem Dona Bárbara uma intrigante personagem que, fiel a si mesma, luta pelo Brasil. No final das contas, fiel ao Brasil, luta por si mesma. Figura cuja face não foi eternizada, fez seu próprio autorretrato, com os atos e a porfia:

"Não teve a face retida
Ao menos delineada
Nenhum pobre esboço, nada
Que a fizesse conhecida.
(…)
Se esteve obscurecida
Ei-la agora revelada
Nítida, autorretratada
Nas dores de sua vida."

O livro também contem outros poemas, de mesma estirpe e estilo. Um dedicado ao cinema de Glauber Rocha, outro uma interessante adaptação para poema do curto e grosso Manual do Guerrilheiro de Carlos Marighella, e até mesmo um outro sobre o filósofo Farias Brito, que enfrenta com táticas de guerrilha os erros da Providência divina e humana. são alguns dos poemas. No final, dois poemas utópicos, um se trata da construção ideal da própria Utopia como um lugar, o outro da revelação apocalíptica da destruição do Ceará injusto, a vista de um outro melhor, levada a cabo pelos artistas e heróis do Estado.
O Poeta de Meia-Tigela usa como instrumento o modo de fazer poema da nossa gente, rimado e agreste, para tratar da temática ressequida e espinhosa da luta e da coragem de ser o que se é. Contra a injustiça, contra a miséria, a esperteza do guerrilheiro permite a coragem de lutar e de filosofar. Talvez como José de Alencar e os românticos, o Poeta quer fundar conscientemente o Ceará guerreiro em suas bases espirituais. Este novo Ceará só é possível com o material bem velho que se esconde no riso moleque tão farto por aqui, mas geralmente cínico e conservador. Quem ri assim quer rir sempre mais alto, por último e com a maioria, tentando encobrir a sagacidade dos corajosos Malazartes, que riem das mazelas, mas riem com Arte guerreira, que quer mudança.

(Publicado originalmente no Blog do Autor, "A DESPEITO - CONTRARIANDO UMA PROVÁVEL EXPECTATIVA", http://adespeito.blogspot.com/, postagem de 16 de Maio de 2011)

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